Você apostaria em touros jovens, com boas avaliações genéticas, mas de acurácias baixas?

O valor genético é o somatório dos efeitos dos alelos que um indivíduo possui, e que influenciam uma característica de interesse. Os valores genéticos podem ser preditos a partir de análises estatísticas (avaliações genéticas) que combinam os dados de fenótipo, de parentesco e de marcadores moleculares. Em geral, os resultados das avaliações genéticas são apresentados na forma de Diferenças Esperadas na Progênie (DEP). A DEP é a metade do valor genético.

Mas os valores genéticos verdadeiros dos candidatos à seleção não são conhecidos e o melhorista precisa obter predições (as melhores possíveis) desses valores para classificar e selecionar os animais. Além do valor predito, pode haver interesse em obter estatísticas relacionadas com a qualidade da predição. Uma dessas estatísticas é a acurácia. Conceitualmente, a acurácia é a correlação entre o valor genético verdadeiro (que é desconhecido) e o valor genético predito (obtido por meio da avaliação genética). Como o valor genético verdadeiro não é conhecido, só é possível obter estimativas da acurácia por meio de diferentes estratégias estatísticas e computacionais (que não serão tratadas neste texto).

A acurácia de um valor genético (ou de uma DEP) depende da quantidade de dados considerados na sua predição, da estrutura dos dados e da herdabilidade da característica. Os animais podem ser avaliados a partir dos dados de seus ancestrais, de parentes colaterais, de dados próprios, de dados de suas progênies, e de qualquer combinação desses tipos. Em geral, quanto maior a quantidade de dados (especialmente de progênies), maior a acurácia (Figura 1).

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Figura 1. Distribuições das acurácias dos valores genéticos preditos para peso aos 205 dias de idade (herdabilidade = 0,22) em bovinos Nelore. As acurácias são maiores para os touros, uma vez que existe maior quantidade de dados para avaliação dessa categoria. Por outro lado, a maior dispersão das acurácias também acontece na categoria de touros, uma vez que o número de progênies pode variar muito de um touro para outro.

Dois touros, com a mesma quantidade de filhos, podem ter acurácias diferentes porque os filhos de um deles podem estar mais bem distribuídos em vários rebanhos, do que os filhos de outro, que podem estar mal distribuídos em poucos rebanhos. Provavelmente, a acurácia será maior para os valores genéticos preditos do primeiro touro. Ainda, é possível ter a mesma quantidade de dados para duas características diferentes. Neste cenário, as acurácias associadas com os valores genéticos da característica de maior herdabilidade serão maiores que as acurácias dos valores genéticos daquela característica de menor herdabilidade.

Alguns usuários das avaliações genéticas e compradores de material genético (touros ou sêmen, por exemplo) preocupam-se com os valores das acurácias. Tal preocupação decorre do fato de que animais jovens, que ainda não possuem progênie, têm seus valores genéticos preditos com baixa acurácia. Na análise dos dados utilizados para elaboração da Figura 1, verificou-se que a média da acurácia dos valores genéticos preditos para peso aos 205 dias de idade (herdabilidade = 0,22) dos touros (n = 179) foi de 0,47, enquanto a acurácia para os produtos (n = 16.429, animais sem progênie) foi de 0,20. A acurácia também é interpretada como uma medida de risco, associada com mudanças nos valores genéticos preditos ao longo do tempo. Essa mudança nos valores genéticos pode ser avaliada comparando-se os valores genéticos preditos considerando-se apenas os dados dos candidatos à seleção (situação 1) com os valores genéticos preditos considerando-se os dados dos próprios animais e, também os dados de suas progênies (situação 2). Essa comparação pode ser visualizada na Figura 2.

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Figura 2. Médias dos valores genéticos preditos para peso aos 205 dias de idade em touros Nelore. Os valores genéticos foram preditos considerando-se apenas os dados fenotípicos obtidos até a safra de nascimento (e deram origem aos resultados apresentados com as barras mais claras – Nascimento) ou considerando-se os dados fenotípicos obtidos até o nascimento da primeira progênie (três anos após a safra de nascimento do touro. Resultados apresentados com as barras mais escuras – Progênie). As barras representam as médias dos valores genéticos de 5, 5, 7, 10, 6, 6, 6, 7, 9 e 8 touros, que nasceram nas safras 2005 a 2014, e tiveram suas primeiras progênies nascidas nas safras 2008 e 2017, respectivamente.

É possível notar, a despeito de uma mudança maior nas médias dos valores genéticos dos touros da safra 2006, que as oscilações das médias dos valores genéticos dos grupos de touros (comparando-se uma barra clara com uma barra escura, dentro da mesma safra de nascimento) são modestas e não representam risco significativo da utilização de touros jovens, com boas avaliações genéticas, mas de acurácias baixas. Vale ressaltar que os resultados apresentados se referem as médias dos valores genéticos de um grupo de touros utilizados em uma safra. Mas o que acontece com os valores genéticos de cada touro? Veja a Figura 3.

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Figura 3. Valores genéticos preditos para peso aos 205 dias de idade de touros Nelore, nascidos na safra 2008, com as primeiras progênies na safra 2011. As barras mais claras representam os valores genéticos preditos apenas com base nos dados obtidos até a safra 2008 (Nascimento). As barras mais escuras representam os valores genéticos preditos com base nos dados obtidos até a safra 2011 – quando houve o nascimento das primeiras progênies de cada touro (Progênie).

É possível perceber que o valor genético predito de um touro pode mudar conforme novos dados (das progênies, principalmente) são incorporados no processo de avaliação genética. Não é possível prever o sentido dessa mudança, mas é possível reduzir sua magnitude e o risco da utilização de touros jovens.

A definição correta de procedimentos de mensuração (idade de avaliação, pesagem, mensuração de perímetro escrotal, treinamento para atribuição de escores visuais, utilização de equipamentos calibrados adequadamente) e a correta formação e identificação de grupos de manejo, onde os animais receberão condições ambientais semelhantes, são elementos fundamentais para minimizar mudanças nas predições dos valores genéticos.

Adicionalmente, utilizar grupos de touros jovens – ao invés de um único touro jovem – é uma estratégia que reduz o risco porque as oscilações individuais em sentidos diferentes (veja touros 2 e 3, da Figura 3) podem se neutralizar e não provocar qualquer mudança significativa nas médias dos valores genéticos preditos de um grupo de touros jovens (Figura 2, safra 2008).

A incorporação de dados de progênie no processo de avaliação genética contribui para o aumento da acurácia das predições (Figura 4).

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Figura 4. Médias das acurácias associadas aos valores genéticos preditos para peso aos 205 dias de idade de touros Nelore. As acurácias foram obtidas considerando-se apenas os dados fenotípicos obtidos até a safra de nascimento (e deram origem aos resultados apresentados com as barras mais claras – Nascimento) ou considerando-se os dados fenotípicos obtidos até o nascimento da primeira progênie (três anos após a safra de nascimento do touro. Resultados apresentados com as barras mais escuras – Progênie). Vide Figura 2 para mais informações a respeito do número de touros.

Contudo, esperar muito tempo para utilizar um touro apenas quando seus valores genéticos estiverem associados com altas acurácias representa um risco para a evolução de um programa de melhoramento genético por dois motivos principais: 1) touros de acurácias muito elevadas possuem muitos filhos, geralmente são touros que já foram usados em quatro ou mais estações de reprodução, e contribuem para aumentar o intervalo de gerações – o que reduz o ganho genético anual; 2) se um touro já produziu muitos filhos, mas nenhum filho é superior a ele, é preciso reavaliar as estratégias do programa de melhoramento genético uma vez que espera-se que as médias das gerações mais avançadas sejam melhores que as médias das gerações mais antigas.

A utilização de touros jovens, de potencial genético superior, sempre será uma estratégia favorável para o melhoramento genético dos rebanhos. Se, por um lado, os valores genéticos desses animais jovens são preditos com baixa acurácia, um processo de seleção bem conduzido irá garantir que as novas gerações sejam sempre melhores que as gerações anteriores e que os riscos associados com a utilização de touros jovens sejam contornados pela expectativa de superioridade genética desses animais.

 

Aproveite para discutir mais sobre esse tema durante a 12a Expogenética, em Uberaba. No dia 19 de Agosto de 2019, será realizada uma mesa redonda sobre o tema “Entendendo a acurácia dos valores genéticos e genômicos nas avaliações atuais”. Clique aqui e confira a programação completa do evento.

Expogenetica2019

Agradecimento

Os resultados apresentados foram obtidos por meio de análises dos dados de bovinos Nelore, Linhagem Lemgruber, gentilmente cedidos pela Fazenda Mundo Novo, Uberaba – MG. O autor registra seu agradecimento ao Sr. Eduardo Penteado Cardoso e a todos os funcionários da Fazenda Mundo Novo pela disponibilização dos dados.

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