O ciclo da genética

Se você está envolvido com a pecuária, possivelmente vai se lembrar de rebanhos e criadores de gado puro que dominaram o mercado de genética no passado, mas que não fazem mais parte do noticiário atual. Vou evitar dar nomes aos bois, mas certamente temos exemplos na bovinocultura de corte e na de leite. Por quê eles perderam relevância?

A resposta é multifatorial e complexa. E sem a pretensão de apresentar uma resposta universal ou até mesmo de esgotar a discussão, seguem alguns pontos de reflexão.

A falta de sucessão familiar pode resultar na divisão ou venda do rebanho. Nem sempre é possível manter taxas de ganhos genéticos competitivas e lucratividade atrativa com redução (divisão) de um rebanho. Em alguns casos, todos os animais são vendidos e o material genético se espalha e se dilui no meio de outros rebanhos. Planos sucessórios bem definidos e conduzidos, sujeitos as aptidões e interesses dos sucessores, podem ajudar a contornar essa questão.

Tem investidor que entra no mercado da genética rapidamente, faz boas aquisições, consegue realizar bons negócios no início, mas têm dificuldades para se manter por muito tempo em evidência. Melhoramento genético se faz no dia a dia do campo, no chão do curral e com apoio técnico adequado. O marketing também é importante, mas sozinho ele não é capaz de garantir a perenidade de um negócio de genética.

O mercado de genética é tão dinâmico quanto o mercado de qualquer outro produto. As cadeias produtivas mudam e as demandas dos consumidores de genética também mudam, e continuarão a mudar com o passar do tempo. Aqueles criadores que ficam presos aos critérios e métodos ultrapassados não atendem mais às demandas dos clientes e serão engolidos pelo mercado. Mudar para atender às novas demandas não significa abandonar todos os critérios e métodos de melhoramento utilizados no passado, mas sim conservar e aprimorar aqueles que permanecem efetivos e implementar novas técnicas que tornam o processo de melhoramento genético mais eficaz e lucrativo.

Um programa de melhoramento genético é tão duradouro quanto for a extensão de sua visão estratégica. Um programa com visão estratégica de longo prazo é perene. Um programa com visão de curto alcance não vai conhecer o futuro. Os efeitos das decisões em melhoramento genético não são imediatos. Portanto, o selecionador precisa ser um conhecedor da cadeia produtiva, precisa se antecipar às mudanças e deve estar na vanguarda do seu negócio. Só assim ele vai ter a genética que o mercado precisa na hora certa.

Um dos primeiros e mais importantes livros de melhoramento publicados no mundo chama-se “Animal breeding plans”, de 1937, do professor Jay Lush (Universidade de Iowa, Estados Unidos). Numa tradução livre, seu título seria “Planos de melhoramento animal”. Muitos programas de melhoramento genético falham por falta de plano. Um plano de melhoramento é algo bem complexo, deve ser construído sobre bases sólidas, de maneira adequada, com muito estudo, conhecimento, discussões e com muitas mãos. Na prática, se bem elaborado, o plano de um programa de melhoramento genético é um roteiro que pode ser entendido e executado por qualquer equipe qualificada.

A despeito dos fatores que perturbam a sustentabilidade de um programa de melhoramento genético, existem muitos rebanhos e selecionadores que enfrentam os obstáculos e que contribuem para a melhoria genética do rebanho nacional há gerações. Eles não hesitam em aprender com as próprias experiências, e com as experiências alheias, não tem medo de mudanças, não vivem de suas conquistas anteriores, e não se furtam de suas responsabilidades. Estes sempre serão protagonistas nas cadeias produtivas e continuarão ajudando os produtores em suas nobres tarefas de produzir alimentos para a humanidade.

Faça do controle leiteiro um hábito na sua fazenda

O controle leiteiro (Figura 1) é a ferramenta mais importante para tomada de decisões relacionadas ao manejo nutricional e melhoramento genético de bovinos de leite. Os registros de produção e de qualidade do leite são fundamentais para determinação das exigências nutricionais das vacas e, consequentemente, para a formulação de dietas. Esses dados também são importantes para avaliação genética dos animais (touros e vacas). A seleção, ou o descarte, de um animal sem o conhecimento do seu valor genético (ou, pelo menos da sua produção) é um tiro no escuro. Você pode descartar animais que estão entre os melhores do seu rebanho por falta de informação.

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Figura 1. O controle leiteiro é o processo de mensuração da produção de leite de uma vaca em um período de 24 horas. Além da produção total de leite, é possível avaliar sua composição (p.ex.: percentuais de proteína, de gordura, de lactose, de sólidos totais, contagem de células somáticas). Esses dados são fundamentais para avaliação do potencial de produção dos animais e para a tomada de decisões.

Não é raro encontrar donos de vacas que ficam falando de seleção, de genômica, de teste de progênie sem, sequer, fazer controle leiteiro dos animais do seu próprio rebanho. Isso precisa mudar!

A disseminação da prática do controle leiteiro nas fazendas brasileiras terá impacto favorável em toda a cadeia produtiva. Em primeiro lugar, o benefício será dentro da fazenda. Com os dados disponíveis, os produtores poderão organizar melhor os lotes de vacas de acordo com a produção. Isso vai facilitar a formulação das dietas, reduzir o desperdício de ração com vacas de baixa produção e aumentar a eficiência por meio da alimentação adequada daquelas vacas que produzem mais leite. Se os dados da produção leiteira forem utilizados para descarte de animais, o produtor poderá escolher para si as melhores vacas e, adicionalmente, terá condições de conhecer melhor as vacas que serão vendidas. Com isso, o preço dos animais de venda poderá ser definido de forma mais justa para os dois lados, já que vai ser possível definir o valor do animal conforme sua produção.

Em segundo lugar, o aumento da prática do controle leiteiro nas fazendas e posterior análise desses dados –  por programas de melhoramento genético ou por instituições envolvidas na cadeia produtiva, vai dar origem a informações importantes. Os dados do controle leiteiro são a matéria prima mais preciosa para avaliação genética. Quanto mais animais com controle leiteiro, maior será o número de vacas e touros avaliados e maior será a acurácia das avaliações. Naturalmente, os ganhos genéticos poderão ser maiores e os benefícios retornarão para as próprias fazendas que executaram o controle leiteiro. Os dados de controle também poderão ser analisados por instituições de pesquisa e por outras envolvidas com o setor. As instituições de pesquisa podem gerar novos conhecimentos relacionados com melhoramento genético, nutrição, saúde e manejo de bovinos leiteiros, e podem contribuir para a formação e qualificação de técnicos para atuação na área. A análise dos dados obtidos nas fazendas também pode gerar informações úteis para o planejamento, negociação de contratos, e definição de políticas para fomentar o setor.

Todas as vacas que fazem parte do mesmo lote de manejo devem ser controladas. O controle seletivo – aquele no qual as vacas a serem avaliadas são escolhidas é uma das piores estratégias que pode ser utilizada em uma fazenda. Apenas para demonstrar esse fato, vamos considerar um lote de manejo com dez vacas, cujas produções diárias são apresentadas na Figura 2.

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Figura 2. Dados de produção de leite de dez vacas do mesmo lote de manejo. A realização do controle leiteiro não seletivo é a maneira correta para obter dados zootécnicos para planejamento das atividades pecuárias.

Considerando todas as observações (controle não seletivo, Figura 2), a média do lote é 15 kg/dia e é possível observar cinco vacas com produção acima da média (1, 2, 7, 9 e 10) e outras cinco vacas com produção abaixo da média (3, 4, 5, 6 e 8). Se o criador tivesse feito controle leiteiro seletivo apenas das sete melhores vacas (1, 2, 4, 5, 7, 9 e 10), a média do lote seria 17,6 kg/dia e, agora, o lote teria apenas três vacas (1, 2 e 10) acima da média (Figura 3). Com o controle seletivo, todas as vacas do lote – inclusive as melhores – são penalizadas. Essa estratégia diminui a variabilidade e penaliza todas as vacas que foram escolhidas para participar do controle.

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Figura 3. Desvios da produção individual em relação as médias da produção de leite sem controle seletivo ou com controle seletivo. Quando se realiza controle leiteiro seletivo a média do lote é superestimada e os desvios (produção de cada animal – média do lote) são influenciados. Sob controle seletivo é possível observar: 1) as diferenças entre as vacas ficam menores; 2) as vacas 7, 9 e 10, cujas produções estavam acima da média, agora estão abaixo da média; 3) até a superioridade da vaca 1 em relação à média do lote é reduzida. As informações provenientes de rebanhos com controle leiteiro seletivo não são confiáveis, pois elas não refletem a realidade do rebanho. Refletem apenas a realidade daquelas vacas que foram escolhidas para controle.

Infelizmente, alguns criadores praticam o controle leiteiro seletivo. Eles o fazem para reduzir o custo com as mensurações ou para esconder animais de baixa produção. Independente da motivação, os rebanhos desses criadores são os mais penalizados em uma avaliação genética. Felizmente, graças aos dados daqueles criadores que não fazem controle seletivo, o modelo estatístico utilizado na avaliação genética (modelo animal) utiliza ponderações baseadas nos dados de indivíduos aparentados e que foram avaliados em outros rebanhos e isso reduz o viés (pelo menos para aqueles animais com muitos parentes avaliados em outros rebanhos) na avaliação genética. Fazer o controle não seletivo beneficia principalmente os animais do próprio rebanho.

Só existe uma coisa pior que o controle leiteiro seletivo. É o controle leiteiro seletivo associado ao tratamento preferencial não informado. Qualquer estratégia utilizada para aumentar a produção de leite de uma vaca e não declarada pelo criador no momento do controle pode ser considerada como tratamento preferencial. Pode ser uma dieta diferenciada, tratamento hormonal ou maior número de ordenhas. O efeito do tratamento preferencial pode variar de uma estratégia para outra, mas exemplificar seu impacto com um incremento em 15% na produção de uma vaca não é uma situação irreal. Considere que além do controle seletivo (vacas 1, 2, 4, 5, 7, 9 e 10), um criador optou por submeter uma das vacas (vaca 2) a um tratamento preferencial e sua produção foi de 24 kg/dia (Figura 4).

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Figura 4. Dados de produção de leite de vacas em um lote com controle seletivo e tratamento preferencial não informado da vaca 2. Ao realizar o controle leiteiro seletivo e tratamento preferencial, a média do lote passou para 18 kg/dia (média viesada) e todas as outras vacas (1, 4, 5, 7, 9 e 10) foram penalizadas.

Ao agrupar vacas que receberam condições de criação diferentes (tratamento preferencial) em um mesmo lote, a estimativa da média passa a não representar mais as condições de criação daqueles animais e todas as comparações em relação à média também ficam prejudicadas. Além disso, todas as comparações envolvendo vacas com tratamentos diferentes também ficam injustas. Note, no exemplo da Figura 4, que a melhor vaca do lote não é mais a vaca 1, e sim a vaca 2. As produções observadas dessas vacas não deveriam ser comparadas sem a realização dos ajustes pertinentes, mas não é possível realizar esses ajustes porque o tratamento preferencial da vaca 2 não foi informado. Realizar tratamento preferencial sem informá-lo no momento do controle é um grande desserviço prestado por aquele que omite tal informação.

O controle leiteiro pode ser realizado por técnicos credenciados ou por funcionários da própria fazenda. O controle leiteiro oficial, realizado por técnicos credenciados por associações de criadores e respeitando-se as normas oficiais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é uma boa alternativa para mensuração da produção dos animais. Dessa forma é possível reduzir erros de mensuração no dia do controle, mas não é possível reduzir o risco dos tratamentos preferenciais realizados em dias anteriores e que deixam efeitos residuais sobre a produção de leite. Em muitos casos, o produtor paga os custos do controle leiteiro oficial (taxas da associação e despesas com o controlador), e isso inibe a disseminação desse tipo de controle. Os resultados também podem ser interpretados de maneira inadequada quando utilizados para comparação de animais de lotes diferentes (sejam esses lotes de uma mesma fazenda ou de fazendas diferentes) sem as devidas considerações (Figura 5).

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Figura 5. Dados de produção de leite de vacas em dois lotes. Cada barra representa a produção de uma vaca. As produções das vacas do lote 1 não podem ser comparadas diretamente com as produções das vacas do lote 2 porque as condições de criação variam de um lote para o outro. Duas vacas com a mesma produção (vaca 3 do lote 1 e vaca 2 do lote 2) podem ter potencias genéticos muito diferentes, pois apresentaram a mesma produção sob condições de criação distintas. Por outro lado, vacas com produções diferentes não possuem, necessariamente, potenciais genéticos diferentes. O valor genético é o indicador mais adequado para comparar animais que não foram criados sob as mesmas condições.

No controle leiteiro de fazenda, um funcionário da própria fazenda é treinado e responsável pela mensuração da produção de leite de acordo com as normas definidas. Esse tipo de controle é mais comum em fazendas comerciais, que utilizam esses dados para tomar decisões de manejo. Atualmente, com a disponibilidade de ordenhadeiras mecânicas e sistemas automatizados, há fazendas que possuem dados de produção diária e individualizado. É mais barato executar o controle leiteiro de fazenda. Infelizmente, algumas associações de criadores não aceitam os dados medidos por funcionários da fazenda para realizar a avaliação genética dos animais. Mas essa realidade pode mudar na medida se houver um esforço conjunto para capacitar os funcionários das fazendas para realizar as mensurações de maneira padronizada e para que as associações recebam esses dados.

O controle leiteiro, independente de ser oficial ou de fazenda, deve respeitar as normas definidas e  ser conduzido honestamente. Como já foi exposto, controle leiteiro seletivo e os tratamentos preferenciais não informados prejudicam, em primeiro lugar, aqueles que os praticam.

Prepare a fazenda, e não as vacas, para o controle leiteiro. É importante que o controle leiteiro faça parte da rotina da fazenda. Sua execução não pode ser vista como um empecilho para as outras atividades. É necessário ter um funcionário que reconheça a importância desse procedimento e que saiba executar todas as ações corretamente. Uma balança, ou medidores nos sistemas de ordenha, são necessários para aferir a produção. Uma planilha de papel simples e eficiente para anotação dos dados referentes à identificação do animal, data do controle, lote de manejo, número de ordenhas, condição do animal, produção de leite (em cada ordenha e produção total) e observações gerais é fundamental para que o controle seja executado e registrado sem dificuldades. Todos dados obtidos precisam ser transferidos para planilhas eletrônicas, ou sistemas de acompanhamento de rebanho, para que sejam analisados e gerem informações úteis para a fazenda. O correto arquivamento dos dados do controle leiteiro vai gerar uma base de dados zootécnicos históricos do rebanho, capaz de fornecer informações muito valiosas.

O dia de controle leiteiro deve ser um dia normal na fazenda. Nada deve mudar no manejo  das vacas, pois o controle serve para avaliar a produção sob as condições normais de produção. A execução do controle leiteiro não deve ser condicionada à geração de um relatório individual de lactação, que ser não for analisado e interpretado corretamente não serve para absolutamente nada. Ele é muito mais importante do que isso! A aferição da produção leiteira é útil como ferramenta de diagnóstico, de avaliação de resultados, de definição de metas e muito mais. Portanto, faça do controle leiteiro um hábito saudável na sua fazenda. Você só tem a ganhar com ele.

Entendendo as acurácias dos valores genéticos e genômicos nas avaliações atuais

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Foto: Preta Ribeiro.

Tatersal Rubico Carvalho, no Parque de Exposições Fernando Costa em Uberaba, cheio no dia 19 de agosto de 2019, para discussão do tema “Entendendo as acurácias dos valores genéticos e genômicos nas avaliações atuais”. A apresentação fez parte da programação técnica da 12ª edição da Expogenética.

Os valores genéticos são o somatório dos efeitos médios de substituição dos alelos que os animais possuem. Eles são preditos a partir da análise dos dados fenotípicos, genealógicos e de marcadores genéticos conhecidos – num processo chamado de avaliação genética. E existe uma estatística que representa a confiança que pode ser atribuída a estas predições – a acurácia. A acurácia pode ser utilizada como um indicativo de risco de mudança do valor genético predito de um animal, se mais informações forem adicionadas ao processo de avaliação genética.

Quanto maior a acurácia, menor o risco de mudança no valor genético predito. Quanto menor a acurácia, maior o risco de mudança (para pior ou para melhor) no valor genético predito. O conhecimento das implicações dos diferentes valores de acurácia podem ser utilizados por técnicos e selecionadores para controlar os riscos envolvidos com a utilização de animais de alto potencial genético – mas avaliados com baixa acurácia.

Além da palestra, os presentes participaram de uma rodada de discussões com representantes de diversos programas de melhoramento genético.

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Foto: Preta Ribeiro.

O material apresentado durante a palestra pode ser consultado neste link.

Se tiver interesse, leia mais sobre a utilização de touros jovens com boas avaliações genéticas, mas de acurácias baixas clicando aqui.

Você apostaria em touros jovens, com boas avaliações genéticas, mas de acurácias baixas?

O valor genético é o somatório dos efeitos dos alelos que um indivíduo possui, e que influenciam uma característica de interesse. Os valores genéticos podem ser preditos a partir de análises estatísticas (avaliações genéticas) que combinam os dados de fenótipo, de parentesco e de marcadores moleculares. Em geral, os resultados das avaliações genéticas são apresentados na forma de Diferenças Esperadas na Progênie (DEP). A DEP é a metade do valor genético.

Mas os valores genéticos verdadeiros dos candidatos à seleção não são conhecidos e o melhorista precisa obter predições (as melhores possíveis) desses valores para classificar e selecionar os animais. Além do valor predito, pode haver interesse em obter estatísticas relacionadas com a qualidade da predição. Uma dessas estatísticas é a acurácia. Conceitualmente, a acurácia é a correlação entre o valor genético verdadeiro (que é desconhecido) e o valor genético predito (obtido por meio da avaliação genética). Como o valor genético verdadeiro não é conhecido, só é possível obter estimativas da acurácia por meio de diferentes estratégias estatísticas e computacionais (que não serão tratadas neste texto).

A acurácia de um valor genético (ou de uma DEP) depende da quantidade de dados considerados na sua predição, da estrutura dos dados e da herdabilidade da característica. Os animais podem ser avaliados a partir dos dados de seus ancestrais, de parentes colaterais, de dados próprios, de dados de suas progênies, e de qualquer combinação desses tipos. Em geral, quanto maior a quantidade de dados (especialmente de progênies), maior a acurácia (Figura 1).

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Figura 1. Distribuições das acurácias dos valores genéticos preditos para peso aos 205 dias de idade (herdabilidade = 0,22) em bovinos Nelore. As acurácias são maiores para os touros, uma vez que existe maior quantidade de dados para avaliação dessa categoria. Por outro lado, a maior dispersão das acurácias também acontece na categoria de touros, uma vez que o número de progênies pode variar muito de um touro para outro.

Dois touros, com a mesma quantidade de filhos, podem ter acurácias diferentes porque os filhos de um deles podem estar mais bem distribuídos em vários rebanhos, do que os filhos de outro, que podem estar mal distribuídos em poucos rebanhos. Provavelmente, a acurácia será maior para os valores genéticos preditos do primeiro touro. Ainda, é possível ter a mesma quantidade de dados para duas características diferentes. Neste cenário, as acurácias associadas com os valores genéticos da característica de maior herdabilidade serão maiores que as acurácias dos valores genéticos daquela característica de menor herdabilidade.

Alguns usuários das avaliações genéticas e compradores de material genético (touros ou sêmen, por exemplo) preocupam-se com os valores das acurácias. Tal preocupação decorre do fato de que animais jovens, que ainda não possuem progênie, têm seus valores genéticos preditos com baixa acurácia. Na análise dos dados utilizados para elaboração da Figura 1, verificou-se que a média da acurácia dos valores genéticos preditos para peso aos 205 dias de idade (herdabilidade = 0,22) dos touros (n = 179) foi de 0,47, enquanto a acurácia para os produtos (n = 16.429, animais sem progênie) foi de 0,20. A acurácia também é interpretada como uma medida de risco, associada com mudanças nos valores genéticos preditos ao longo do tempo. Essa mudança nos valores genéticos pode ser avaliada comparando-se os valores genéticos preditos considerando-se apenas os dados dos candidatos à seleção (situação 1) com os valores genéticos preditos considerando-se os dados dos próprios animais e, também os dados de suas progênies (situação 2). Essa comparação pode ser visualizada na Figura 2.

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Figura 2. Médias dos valores genéticos preditos para peso aos 205 dias de idade em touros Nelore. Os valores genéticos foram preditos considerando-se apenas os dados fenotípicos obtidos até a safra de nascimento (e deram origem aos resultados apresentados com as barras mais claras – Nascimento) ou considerando-se os dados fenotípicos obtidos até o nascimento da primeira progênie (três anos após a safra de nascimento do touro. Resultados apresentados com as barras mais escuras – Progênie). As barras representam as médias dos valores genéticos de 5, 5, 7, 10, 6, 6, 6, 7, 9 e 8 touros, que nasceram nas safras 2005 a 2014, e tiveram suas primeiras progênies nascidas nas safras 2008 e 2017, respectivamente.

É possível notar, a despeito de uma mudança maior nas médias dos valores genéticos dos touros da safra 2006, que as oscilações das médias dos valores genéticos dos grupos de touros (comparando-se uma barra clara com uma barra escura, dentro da mesma safra de nascimento) são modestas e não representam risco significativo da utilização de touros jovens, com boas avaliações genéticas, mas de acurácias baixas. Vale ressaltar que os resultados apresentados se referem as médias dos valores genéticos de um grupo de touros utilizados em uma safra. Mas o que acontece com os valores genéticos de cada touro? Veja a Figura 3.

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Figura 3. Valores genéticos preditos para peso aos 205 dias de idade de touros Nelore, nascidos na safra 2008, com as primeiras progênies na safra 2011. As barras mais claras representam os valores genéticos preditos apenas com base nos dados obtidos até a safra 2008 (Nascimento). As barras mais escuras representam os valores genéticos preditos com base nos dados obtidos até a safra 2011 – quando houve o nascimento das primeiras progênies de cada touro (Progênie).

É possível perceber que o valor genético predito de um touro pode mudar conforme novos dados (das progênies, principalmente) são incorporados no processo de avaliação genética. Não é possível prever o sentido dessa mudança, mas é possível reduzir sua magnitude e o risco da utilização de touros jovens.

A definição correta de procedimentos de mensuração (idade de avaliação, pesagem, mensuração de perímetro escrotal, treinamento para atribuição de escores visuais, utilização de equipamentos calibrados adequadamente) e a correta formação e identificação de grupos de manejo, onde os animais receberão condições ambientais semelhantes, são elementos fundamentais para minimizar mudanças nas predições dos valores genéticos.

Adicionalmente, utilizar grupos de touros jovens – ao invés de um único touro jovem – é uma estratégia que reduz o risco porque as oscilações individuais em sentidos diferentes (veja touros 2 e 3, da Figura 3) podem se neutralizar e não provocar qualquer mudança significativa nas médias dos valores genéticos preditos de um grupo de touros jovens (Figura 2, safra 2008).

A incorporação de dados de progênie no processo de avaliação genética contribui para o aumento da acurácia das predições (Figura 4).

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Figura 4. Médias das acurácias associadas aos valores genéticos preditos para peso aos 205 dias de idade de touros Nelore. As acurácias foram obtidas considerando-se apenas os dados fenotípicos obtidos até a safra de nascimento (e deram origem aos resultados apresentados com as barras mais claras – Nascimento) ou considerando-se os dados fenotípicos obtidos até o nascimento da primeira progênie (três anos após a safra de nascimento do touro. Resultados apresentados com as barras mais escuras – Progênie). Vide Figura 2 para mais informações a respeito do número de touros.

Contudo, esperar muito tempo para utilizar um touro apenas quando seus valores genéticos estiverem associados com altas acurácias representa um risco para a evolução de um programa de melhoramento genético por dois motivos principais: 1) touros de acurácias muito elevadas possuem muitos filhos, geralmente são touros que já foram usados em quatro ou mais estações de reprodução, e contribuem para aumentar o intervalo de gerações – o que reduz o ganho genético anual; 2) se um touro já produziu muitos filhos, mas nenhum filho é superior a ele, é preciso reavaliar as estratégias do programa de melhoramento genético uma vez que espera-se que as médias das gerações mais avançadas sejam melhores que as médias das gerações mais antigas.

A utilização de touros jovens, de potencial genético superior, sempre será uma estratégia favorável para o melhoramento genético dos rebanhos. Se, por um lado, os valores genéticos desses animais jovens são preditos com baixa acurácia, um processo de seleção bem conduzido irá garantir que as novas gerações sejam sempre melhores que as gerações anteriores e que os riscos associados com a utilização de touros jovens sejam contornados pela expectativa de superioridade genética desses animais.

 

Aproveite para discutir mais sobre esse tema durante a 12a Expogenética, em Uberaba. No dia 19 de Agosto de 2019, será realizada uma mesa redonda sobre o tema “Entendendo a acurácia dos valores genéticos e genômicos nas avaliações atuais”. Clique aqui e confira a programação completa do evento.

Expogenetica2019

Agradecimento

Os resultados apresentados foram obtidos por meio de análises dos dados de bovinos Nelore, Linhagem Lemgruber, gentilmente cedidos pela Fazenda Mundo Novo, Uberaba – MG. O autor registra seu agradecimento ao Sr. Eduardo Penteado Cardoso e a todos os funcionários da Fazenda Mundo Novo pela disponibilização dos dados.

Sobre como reduzir a defasagem genética nos rebanhos bovinos brasileiros

Existe diferença entre os potenciais genéticos dos animais que fazem parte dos rebanhos elites (ou Núcleo) e dos animais que fazem parte dos rebanhos comerciais. Na prática, se um grupo representativo de animais que fazem parte do Núcleo fosse colocado sob as mesmas condições de criação de outro grupo representativo de animais do estrato Comercial, a produção do primeiro grupo seria maior do que a produção do segundo grupo (Figura 1).

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Figura 1. Produções de animais de rebanhos Núcleo e Comercial.

Essa diferença pode ser quantificada pela comparação dos desempenhos (peso, produção de leite, etc) dos dois grupos sob as mesmas condições de criação, e nesse caso seria expressa na unidade da característica avaliada. Ou pode também ser quantificada sob a forma do tempo necessário para que os animais do estrato Comercial alcancem o mesmo nível de produção dos animais do Núcleo. A diferença no desempenho, ou no tempo necessário para que o estrato Comercial apresente a mesma produção do estrato Núcleo, pode ser denominada defasagem genética. Estimou-se que a defasagem genética na bovinocultura de corte brasileira era de 15 – 20 anos (Alves, R.G.O.; Silva, L.O.C.; Euclides Filho, K.; Figueiredo, G.R. 1999. Disseminação do melhoramento genético em bovinos de corte. Revista Brasileira de Zootecnia, v.28, p.1219-1225, ). Ou seja, os rebanhos comerciais de bovinos de corte estavam 15 – 20 atrasados em relação aos rebanhos do Núcleo. Essa defasagem pode ser ainda maior na bovinocultura de leite em função de diferenças nas taxas reprodutivas, intervalos de gerações e intensidades de seleção. É importante entender as causas e as formas de reduzir essa defasagem para que as cadeias produtivas sejam beneficiadas de maneira mais rápida dos ganhos obtidos com a seleção.

A defasagem genética existe porque a seleção não é realizada em todos os rebanhos, porque a transferência do material genético superior (produzido no Núcleo) para os estratos inferiores (Figura 2) não é instantânea, e porque a transferência nem sempre é realizada no sentido correto.

 

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Figura 2. Modelo tradicional de fluxo gênico em programas de melhoramento genético. Os rebanhos que fazem parte do Núcleo praticam a seleção, são autossuficientes em termos de material genético, e transferem o material genético excedente (geralmente machos ou sêmen) para os estratos inferiores. Os rebanhos que fazem parte do estrato Multiplicador dependem de material genético fornecido pelo Núcleo (especialmente machos ou sêmen), multiplicam esse material e fornecem material genético (geralmente machos) para o estrato Comercial. O estrato Comercial é o usuário final do material genético produzido no Núcleo. Os rebanhos do estrato Comercial são os maiores fornecedores de carne e leite para o consumidor final.

Para realizar da seleção, é necessário definir o objetivo e os critérios de seleção, medir os candidatos, identificar os potenciais genéticos dos animais e permitir que os indivíduos de méritos genéticos superiores deixem mais descendentes em relação à média da população. Isso demanda a execução de procedimentos especiais (identificação individual, mensurações mais frequentes, arquivamento zootécnico, etc), exige assistência técnica especializada, e aumenta o custo de produção nos rebanhos do Núcleo, em relação aos rebanhos do estrato Comercial. O aumento no custo precisa ser compensado pela maior eficiência produtiva e pela agregação de valor nos animais de mérito genético superior e pode inviabilizar a transferência de material genético do Núcleo diretamente para o estrato Comercial.

Nos rebanhos do Núcleo, é importante que os animais superiores produzam seus descendentes (e sua reposição) antes de serem transferidos para os estratos inferiores. Quanto mais rápido os animais superiores deixarem descendentes (e sua reposição) na população, mais rápido eles podem ser transferidos para o estrato seguinte.

Além da velocidade de transferência do material genético ao longo dos estratos, é necessário considerar a eficiência da transferência. Numa época em que o único método de reprodução economicamente viável ao alcance dos produtores comerciais era a monta natural, o número de bezerros produzidos por um touro era limitado pela exigência de sua presença física, bem como por questões inerentes à própria biologia da espécie. Então, o excedente de material genético dos rebanhos do Núcleo não era suficiente para atender a demanda dos rebanhos do estrato Comercial. Com isso, surgiu um estrato especializado na multiplicação de material genético superior – o Multiplicador.

Os rebanhos do estrato Multiplicador tornaram-se os destinos do excedente de material genético dos rebanhos do Núcleo. O surgimento do estrato Multiplicador permitiu a produção de material genético superior em maior quantidade, com um preço acessível, para os rebanhos do estrato Comercial.

Contudo, o estrato Multiplicador funciona como um intermediário entre aqueles que desenvolvem o material genético (Núcleo) e os principais usuários (Comercial). Esse estrato pode atrasar a transferência do material genético e, de certa forma, transferir material genético de baixa qualidade para o estrato Comercial. Mesmo não sendo o principal responsável pela seleção, é reconhecido que os rebanhos multiplicadores praticam a seleção e podem usar critérios e objetivos de seleção diferentes daqueles adotados no Núcleo. Para garantir que o material genético utilizado para produção de carne e leite no estrato Comercial seja adequado para atender às demandas dos consumidores é fundamental que todos os estratos envolvidos no fluxo de gênico estejam alinhados, seguindo o mesmo objetivo de seleção.

Nos dias de hoje, o aumento da competitividade entre e dentro das cadeias produtivas têm pressionado os produtores comerciais a melhorar a eficiência de seus processos produtivos. Em paralelo, a melhoria da eficiência e a redução dos custos das biotécnicas reprodutivas (como inseminação artificial, e inseminação artificial em tempo fixo) tem facilitado o acesso dos produtores que fazem parte do estrato Comercial ao material genético excedente (sêmen, principalmente) dos rebanhos do Núcleo (Figura 3). Isso reduzirá significativamente a defasagem genética, aumentará a demanda de material genético do Núcleo e, ao mesmo tempo, reduzirá o mercado para os rebanhos multiplicadores.

 

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Figura 3. Modelo de fluxo gênico em programas de melhoramento genético composto pelos rebanhos do Núcleo e do estrato Comercial. O aumento da eficiência e a redução dos custos das biotécnicas reprodutivas permitirão a transferência de material genético diretamente dos rebanhos do Núcleo para os rebanhos do estrato Comercial, e contribuirão para reduzir a defasagem genética na cadeia produtiva.

Os rebanhos multiplicadores que estiverem atentos à essas mudanças poderão melhorar seus processos, e se forem eficientes nessa transição, passarão a compor o grupo de selecionadores do Núcleo. O melhor caminho para alguns rebanhos multiplicadores poderá ser a produção comercial de carne ou leite. Outros rebanhos do estrato Multiplicador continuarão a atender a demanda menor de touros do estrato Comercial. Os rebanhos multiplicadores continuarão a ser importantes para as raças sintéticas, mas mesmo assim podem precisar de adaptações. Eles irão utilizar o material genético dos rebanhos do Núcleo (de raças puras), realizarão os cruzamentos, e oferecerão os reprodutores das raças sintéticas aos rebanhos do estrato Comercial.

De qualquer forma, as mudanças impostas pela competitividade e pelas demandas dos consumidores podem ser bem absorvidas por todos os elos das cadeias produtivas de carne e leite. Adaptações e novos processos precisam ser executados diante de um mercado em transformação, sempre mais competitivo. As mudanças são inevitáveis e aqueles que estiverem atentos e agirem de maneira correta e rápida sempre estarão na frente do mercado.

A ênfase deve ser no processo, e não no indivíduo

Recentemente eu li uma manchete do tipo: a raça tal perdeu o touro fulano. Também já li comentários do tipo: estão faltando touros bons nas centrais, porque o giro está sendo muito rápido (touros ficam com sêmen disponível por pouco tempo, e logo são substituídos por outros).

 

Isso me provocou uma reflexão a respeito de como as pessoas entendem um programa de melhoramento genético. Em um programa bem planejado (com objetivos bem definidos, em primeiro lugar), a ênfase deve ser no processo de melhoramento, e não no indivíduo.

Eu não tenho dúvidas de que alguns indivíduos realmente contribuem de maneira diferenciada para o desenvolvimento de uma população. Mas paro de escrever sobre um indivíduo por aqui. Em um programa de melhoramento genético eficiente, os animais mais jovens são superiores aos mais velhos. E quanto mais jovens são os reprodutores (machos e fêmeas), menor é o intervalo de gerações. E quanto menor o intervalo de gerações, maior o ganho genético anual. Por outro lado, as acurácias das predições dos valores genéticos dos animais mais jovens geralmente são menores que as acurácias das predições dos valores genéticos dos animais mais velhos (por causa da quantidade de informações disponíveis para cada um). E a acurácia também é um componente da equação do ganho genético. Mas quando se dá ênfase exagerada na acurácia (o frenesi pela utilização de touros provados), ocorre o aumento do intervalo de gerações e o ganho genético anual fica comprometido.

A utilização das ferramentas genômicas abre uma nova oportunidade para os programas de melhoramento que querem acelerar o ganho genético anual. Mas isso exige mudanças de pensamentos e de atitudes. Não adianta genotipar todos os animais do rebanho se não houver confiança nas informações que essas genotipagens irão incorporar no processo de tomada de decisão. A análise de um trabalho publicado sobre o impacto da seleção genômica em gado de leite (Holandes) nos Estados Unidos (García-Ruiz et al., 2016) permite entender como ela pode acelerar o ganho genético anual. Segundo os autores:

1) a seleção genômica realmente funciona. Os ganhos genéticos anuais aumentaram entre 50-100% para características produtivas (produção de leite, gordura e proteína) e entre 300-400% para características de baixa herdabilidade (escore de células somáticas, vida útil produtiva e taxa de prenhez nas filhas). Esses aumentos são relativos aos ganhos anuais obtidos antes da utilização da seleção genômica.

2) a redução do intervalo de gerações e o aumento do diferencial de seleção foram os elementos decisivos para esse aumento no ganho genético anual.

Com a predição dos valores genômicos dos candidatos a seleção ainda jovens, e com a utilização dos reprodutores o mais rápido possível, reduziu-se a idade média dos touros que são pais de touros de 7 para 2,5 anos; e a idade média das vacas que são mães de touros de 4 para 2,5 anos (García-Ruiz et al., 2016). Ou seja, não dá mais tempo de fazer pré-seleção, colher sêmen, distribuir sêmen, inseminar, acompanhar gestação, parto, cria, recria, inseminar novamente, esperar outra gestação, mais um parto, fazer controle leiteiro por 8-10 meses, enviar os dados para o programa de melhoramento genético, fazer avaliação genética e esperar a divulgação dos valores genéticos para, depois de tudo isso, decidir quais touros serão utilizados.

Para aproveitar o máximo possível das ferramentas genômicas, vai ser importante realizar a avaliação do maior número possível de candidatos (jovens) e utilizar aqueles que forem superiores imediatamente. A coleta de dados das progênies dos touros vai continuar sendo essencial para retroalimentar o sistema de avaliação genômica, para calibração das equações de predição e avaliação da eficiência do processo. Mas quando um touro possuir muitas filhas com fenótipos registrados, ele já terá sido substituído por outro superior. Não vai dar tempo de decorar os nomes dos touros – ou mesmo de publicar obituários – porque todos serão substituídos rapidamente. Mas para que essa substituição seja eficiente, haverá necessidade de produzir animais jovens superiores. E de onde virão esses animais?

Os rebanhos que possuírem processos de melhoramento genético bem feitos serão as principais fontes de touros jovens e melhoradores. O selecionador que for eficiente em produzir touros melhores a cada ano vai continuar prosperando. A figura do proprietário que ganha muito dinheiro com a venda de sêmen de um único reprodutor vai desaparecer. Aqueles que insistirem no frenesi de só utilizar touros “provados”, ficarão defasados. O mercado será implacável com os amadores.

 

Evolução dos touros Gir Leiteiro em teste de progênie

O teste de progênie é uma ferramenta para identificação das capacidades preditas de transmissão (PTA) de touros de raças leiteiras. No caso do Gir Leiteiro, este teste começou a ser executado em 1985 e, no ano de 2017, os resultados do 25 grupo de touros foi divulgado no Sumário Brasileiro de Touros[1]. Até o presente, 375 touros foram avaliados.

O teste de progênie não é, isoladamente, um programa de melhoramento genético. Ele é um componente importante do programa e a utilização mais intensa dos touros com as melhores PTAs, bem como a pré-seleção dos candidatos ao teste com base em critérios técnicos eficientes, são fundamentais para a evolução genética em qualquer raça. A evolução genética é sinônimo de tendência genética, um termo rotineiramente utilizado nos programas de melhoramento para quantificar a mudança nas médias das PTAs ao longo do tempo.

A análise das PTAs para produção de leite dos touros em teste (Figura 1) revelou aumento de 10,24 kg/grupo nas médias das PTAs. Esse valor representa 0,33% da média de produção de leite em 305 dias de lactação da base de dados utilizada para realização das avaliações (3.065 kg), e pode ser interpretado como a diferença nas médias das PTAs de touros de grupos subsequentes.

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Figura 1. Capacidades preditas de transmissão para produção de leite em 305 dias de lactação (PTA Leite) de touros Gir Leiteiro (pontos) e tendência genética (linha azul) em função do grupo de teste. As análises foram realizadas com os resultados divulgados no Sumário Brasileiro de Touros[1].

 

O aumento da tendência genética no grupo de touros em teste implicará, também, em aumento na tendência genética na raça como um todo. Portanto, é muito importante manter o rigor na pré-seleção dos touros para garantir que a média da PTA dos touros que estão entrando no teste seja superior a média da PTA dos touros dos grupos anteriores. Mas como conseguir isso?

Não existe resposta única. Tampouco existe uma resposta certeira. Existem alternativas para aumentar a chance de sucesso. Uma delas é a pré-seleção dos touros a partir da análise do valor genético das mães. Outra é a utilização de ferramentas genômicas para predizer o valor genético dos candidatos ao teste de progênie. Felizmente, essas duas alternativas já são utilizadas para a pré-seleção de touros Gir Leiteiro para o teste de progênie. Outra alternativa seria a escolha de indivíduos pertencentes às gerações mais avançadas de seleção. Por que isso funcionaria?

Por que as médias das PTAs dos touros de gerações mais avançadas são maiores que as médias das PTAs dos touros de gerações anteriores (Figura 2).

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Figura 2. Capacidades preditas de transmissão para produção de leite em 305 dias de lactação (PTA Leite) de touros Gir Leiteiro (pontos) e tendência genética (linha azul) em função da geração. As análises foram realizadas com os resultados divulgados no Sumário Brasileiro de Touros[1] e genealogias conhecidas dos touros avaliados. O ponto vermelho representa a PTA do touro B805 C.A. Everest. Os pontos da cor laranja representam as PTAs dos filhos do touro B805 C.A. Everest. O ponto azul representa a PTA do touro KCA472 C.A. Sansão. Os pontos verdes representam os filhos do touro KCA472 C.A. Sansão.

 

As Figuras 1 e 2 demonstram a evolução dos touros Gir Leiteiro em teste de progênie, mas utilizando-se escalas de tempo diferentes. Na primeira, a escala de tempo é cronológica e avaliada com base no grupo de teste. Na segunda, a escala refere-se ao número de gerações de ancestrais conhecidos. Aqueles animais de genealogia desconhecida compõem a geração zero. Seus filhos compõem a geração um e assim por diante. A sobreposição de gerações (acasalamentos de pais pertencentes a gerações diferentes) implica no surgimento de animais de gerações intermediárias (por exemplo: 1,5; 3,8; etc.). Portanto, se a seleção é realizada ao longo das gerações, as médias das PTAs dos animais das gerações mais avançadas devem ser maiores que as médias das PTAs dos animais das gerações anteriores. No caso dos touros Gir Leiteiro em teste, a estimativa da diferença nas médias das PTAs de touros de duas gerações seguidas é de 52,74 kg de leite, ou 1,72% da média da produção de leite em 305 dias de lactação. As tendências genéticas por grupo (ano de teste) ou por geração não são diretamente comparáveis por que são expressas em escalas de tempo diferentes. Ainda não é possível evoluir uma geração em um único ano.

Outras informações podem ser extraídas da Figura 2. Quando um indivíduo de grande mérito genético é encontrado, faz menos sentido tentar refazer acasalamentos na expectativa de obter um irmão completo (pertencente a mesma geração) ou meio-irmão melhor que ele do que utilizá-lo em novos acasalamentos para a produção de filhos de gerações mais avançadas e de méritos genéticos superiores. O touro B805 C.A. Everest (ponto vermelho na Figura 2) produziu um filho de grande mérito genético, o touro KCA472 C.A. Sansão (ponto azul na Figura 2). Vários filhos do touro C.A. Everest foram testados no teste de progênie (pontos da cor laranja na Figura 2) e nenhum conseguiu superar o C.A. Sansão. Por outro lado, já foram identificados dois filhos do touro C.A. Sansão com méritos genéticos superiores ao do pai. Ainda, vários filhos de C.A. Sansão (pontos verdes) possuem méritos genéticos superiores aos méritos de seus tios (pontos em laranja). Ou seja, os méritos genéticos dos netos do touro C.A. Everest são melhores que os méritos genéticos de seus filhos. Portanto, é importante testar touros de gerações mais avançadas a cada ano. E de quais gerações são os touros participantes do teste de progênie do Gir Leiteiro?

A cada novo grupo de touros, a média do coeficiente de geração dos candidatos está aumentando (0,0949 geração/grupo), mas existe grande variação dos coeficientes de geração dentro de um mesmo grupo (Figura 3). Por exemplo: entre os touros cujas PTAs foram divulgadas em maio de 2017, há indivíduos pertencentes às gerações 2,4 e 6,4.

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Figura 3. Coeficientes de geração de touros Gir Leiteiro (pontos) e médias estimadas (linha azul) em função do grupo de teste.

 

É importante destacar que alguns animais, a despeito de pertencerem a gerações menos avançadas (menor que 4), são provenientes de rebanhos que realizam controle leiteiro e seleção há muito tempo, mas iniciaram o registro genealógico e controle leiteiro oficial apenas recentemente. Por outro lado, existem animais de gerações mais avançadas, mas provenientes de rebanhos com muitas gerações de registros oficiais e com critérios de seleção que não privilegiaram a produção de leite. De qualquer forma, os resultados apresentados corroboram a necessidade de considerar o coeficiente de geração dos candidatos ao teste durante a pré-seleção.

A análise conjunta dos méritos genéticos das mães de touros, das informações genômicas e dos coeficientes de geração dos candidatos ao teste de progênie contribuirá para aumentar a diferença das médias das PTAs dos touros de grupos subsequentes. O coeficiente de geração é obtido de maneira simples, basta conhecer o pedigree dos candidatos ao teste. Mas planejar e executar os acasalamentos para produzir touros Gir Leiteiro de gerações mais modernas exige o abandono de modismos e a coragem que só os selecionadores visionários possuem.

 

Texto extraído do Programa de Melhoramento Genético 2B, Resultado da avaliação genética de vacas Gir Leiteiro, 2ed., 2017.

Referência:

[1] Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro – Sumário Brasileiro de Touros – Resultado do Teste de Progênie – 8 Prova de Pré-Seleção de Touros – Maio 2017 / João Cláudio do Carmo Panetto … [et al.]. Juiz de Fora: Embrapa Gado de Leite, 2017. 96p. (Embrapa Gado de Leite. Documentos, 202).

Casa cheia durante a Superleite 2016 para a palestra sobre melhoramento genético.

Pompéu é a Capital Mineira do Leite. Anualmente, o Sindicato Rural de Pompéu organiza a Superleite, considerado o maior evento do agronegócio do Centro-Oeste mineiro. Ao longo da programação ocorrem palestras técnicas sobre diferentes temas de interesse. No último dia 20 de julho, aconteceu a apresentação sobre Melhoramento genético de bovinos leiteiros: estratégias para utilização de vacas F1. O material da apresentação pode ser acessado aqui (ApresentacaoSuperleite2016). Mais de 400 pessoas estiveram presentes. As fotos são da equipe organizadora do evento.